O Congresso Nacional se prepara para concluir a votação da tão falada reforma tributária e entre as várias propostas em jogo, uma em particular precisa de atenção: a retirada das armas de fogo do Imposto Seletivo, ou o ‘Imposto do Pecado’, como é chamado. Na prática, seria a equiparação de impostos entre produtos de consumo cotidiano, e itens como fuzis e pistolas. Faz sentido tratar com a mesma carga tributária uma camisa, uma fralda e uma arma de fogo? Fica ainda pior se compararmos com os itens incluÃdos no Imposto Seletivo, criado para taxar produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente: apostas esportivas, jogos de azar, bebidas alcoólicas e açucaradas. Alguém duvida do perigo que armas representam para uma sociedade que já convive com nÃveis altÃssimos de homicÃdios? Falando concretamente, a proposta aprovada na Câmara, que deve ser votada no Senado nos próximos meses, reduz a tributação sobre esses bens de 89,25% para apenas 26,5%. Uma economia e tanto! Economia que reflete a força do lobby da indústria armamentista no Congresso Nacional e a capacidade de mobilização do campo pró-armamento civil que hoje atua no Parlamento. Diante dessas condições, cabe perguntar a quem de fato interessa reduzir o imposto das armas de fogo. Há interesse público nisso? Quais serão os efeitos para a sociedade? Comecemos pelo óbvio: menos imposto significa mais lucro para os fabricantes de armas, especialmente a Taurus, empresa que praticamente detém o monopólio da produção nacional. Os lucros da Taurus quadruplicaram nos anos de governo Bolsonaro, por conta da ampla flexibilização do acesso a armas de fogo por civis. Mas o tempo de bonança passou e os novos decretos assinados por Lula no começo do seu mandato impactaram as receitas da empresa, que registrou queda de 81% nos lucros no ano passado. A indústria de armas está correndo atrás do prejuÃzo que a regulamentação causou e é a sociedade que pagará por isso. Esta não é exatamente uma novidade quando se trata do setor. Investigo a Taurus há pelo menos nove anos e não é a primeira vez que constato a força do seu lobby, ainda que isso signifique perigo para a sociedade. Os escândalos de armas defeituosas da fabricante se sucedem e a punição é sempre irrisória. A Taurus é a cara pública daqueles que ganham com o barateamento das armas. Mas abaixo dela, há todo um ecossistema que lucrará bastante com a mudança, já que a expansão do armamento civil aqueceu não só o mercado legal de armas, mas o ilegal também. Esta afirmação não é minha, é do Ministério Público de São Paulo. Uma investigação fresquinha, com operação deflagrada em maio deste ano, mostrou que “os principais fornecedores das armas de fogo e das munições utilizadas pela organização criminosa [PCC] são CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador)”. O Ministério Público do Rio também trabalha para reprimir a venda de armas por CACs para traficantes. Uma operação no ano passado apreendeu 26 fuzis M16, um fuzil 308, 21 pistolas e muita munição com um único CAC. Poderia listar aqui dezenas de reportagens ou releases do MP sobre essas ações. Elas acontecem com frequência no Brasil desde 2019. Não surpreende, uma vez que o próprio Exército Brasileiro afirmou não saber quantas armas estão nas ruas. Flexibilizamos a legislação, inundamos as ruas de pistolas, carabinas e fuzis e tudo isso sem fiscalização, sem qualquer mecanismo de controle. Em um paÃs tão violento, tão desigual e com tantas questões urgentes, baratear pistolas é uma prioridade? Mais do que isso: vamos novamente ver o lobby das armas colocar a todos em risco passivamente? Sim, foi isso que aconteceu durante o mandato de Jair Bolsonaro. Os escândalos da falta de fiscalização, da omissão do Exército, do comércio de armas para criminosos se sucederam e ainda assim marchamos rumo ao caos, que pode ser resumido em números. Em 2022, os fuzis eram maioria entre armas legais nas mãos dos CACs. Os dados mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que já são mais de 2 milhões de registros de posse ativos na PF, um crescimento de 227% em relação a 2017. Não são os novos decretos assinados pelo Lula que deterão essa marcha e a força da militância armamentista. Não dá mais para acumular derrotas nesse campo. Para concluir: é muito importante pressionarmos senadores para tentar barrar esse retrocesso. Escreva para os parlamentares, marque seus nomes nas redes. Uma das razões para termos chegado até aqui foi a pouca resistência no Congresso Nacional por parte do campo que se organiza pró-controle das armas. Pesquisa realizada pelo Fogo Cruzado e publicada recentemente resume bem esse quadro. Não deixe de ler. |
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